Enquanto os holofotes mediáticos se concentram nos painéis solares que cobrem cada vez mais telhados portugueses, uma revolução muito mais silenciosa - e potencialmente mais transformadora - está a ganhar forma nos bastidores do setor energético nacional. O hidrogénio verde, produzido através de eletrólise usando energia renovável, emerge como a peça que faltava no puzzle da descarbonização, posicionando Portugal não como mero consumidor, mas como potencial exportador de energia limpa para a Europa.
Os números falam por si: segundo a estratégia nacional para o hidrogénio, Portugal ambiciona instalar 2,5 GW de capacidade de eletrólise até 2030, representando 5% do consumo total de gás natural. Mas os projetos em carteira superam já estas metas ambiciosas. No Sines Industrial and Logistics Zone, o projeto H2 Sines prevê investimentos de 900 milhões de euros para produzir hidrogénio verde a partir de energia solar e eólica, com capacidade para exportação através de gasodutos adaptados.
A geografia portuguesa revela-se uma bênção para esta nova indústria. Com uma das melhores taxas de irradiação solar da Europa e ventos consistentes ao longo da costa, o país possui condições naturais excecionais para produzir energia renovável a custos competitivos. O hidrogénio verde funciona como uma bateria gigante, permitindo armazenar o excedente de produção renovável para uso posterior ou exportação.
Os setores industriais pesados, tradicionalmente difíceis de descarbonizar, encontram no hidrogénio verde uma solução viável. A indústria cimenteira, siderúrgica e química podem substituir combustíveis fósseis por hidrogénio nos seus processos de alta temperatura, enquanto o transporte pesado e marítimo vislumbram finalmente um caminho para abandonar o diesel.
Os desafios, contudo, não são menores. A infraestrutura de transporte e armazenamento precisa de investimentos massivos, os custos de produção ainda superam os do hidrogénio cinzento (produzido a partir de gás natural) e a regulação europeia está ainda em desenvolvimento. Mas os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência destinam 185 milhões de euros especificamente para projetos de hidrogénio renovável, um sinal claro do compromisso político.
As parcerias internacionais multiplicam-se. Alemanha e Holana, países com grande necessidade de hidrogénio verde mas limitada capacidade de produção renovável, já estabeleceram acordos com Portugal para futuras importações. Esta dinâmica transforma a questão energética de um problema de abastecimento interno numa oportunidade geoeconómica.
Os críticos alertam para os riscos de criar uma nova dependência tecnológica e questionam a eficiência energética do processo de eletrólise. É verdade que cerca de 30% da energia se perde na conversão eletricidade-hidrogénio, mas os avanços tecnológicos prometem melhorias significativas nos próximos anos.
O timing é crucial. Enquanto a Europa acelera a transição energética para reduzir a dependência do gás russo, Portugal posiciona-se como fornecedor de energia limpa e estável. Os projetos-piloto já em funcionamento, como na refinaria da Galp em Sines, demonstram a viabilidade técnica, restando provar a económica em larga escala.
O hidrogénio verde representa mais do que uma alternativa energética: simboliza a capacidade de Portugal se reinventar como nação inovadora na vanguarda da economia verde. Nas palavras de um investidor alemão envolvido nos projetos, "Portugal tem a rara combinação de recursos naturais, estabilidade política e visão estratégica para se tornar a Arábia Saudita do hidrogénio verde".
O caminho está traçado, os investimentos começam a materializar-se e o potencial é inegável. Resta ao país manter o rumo e transformar esta visão ambiciosa numa realidade económica transformadora que beneficie não apenas o ambiente, mas toda a sociedade portuguesa.
O boom do hidrogénio verde em Portugal: a revolução energética que ninguém vê chegar
