Portugal é um país banhado pelo sol quase todo o ano, com uma média de 300 dias de insolação anual. No entanto, continuamos a importar mais de 70% da energia que consumimos. Esta contradição tornou-se o grande desafio energético nacional, especialmente num contexto de crise climática e volatilidade dos preços internacionais.
Enquanto os nossos vizinhos mediterrânicos avançam a ritmo acelerado na transição energética, Portugal parece nadar contra a maré. A Espanha, por exemplo, já produz mais de 50% da sua eletricidade através de fontes renováveis, enquanto nós nos contentamos com números bem mais modestos. A pergunta que se impõe é: por que razão estamos a desperdiçar o nosso maior recurso natural?
O problema começa na burocracia. Um estudo recente do Laboratório Nacional de Energia e Geologia revelou que o processo de licenciamento para uma central fotovoltaica pode demorar até três anos em Portugal, contra seis meses em países como a Alemanha ou a Holanda. Esta morosidade tem custos reais: só no último ano, mais de vinte projetos de grande dimensão foram abandonados devido à complexidade administrativa.
Mas não são apenas as grandes centrais que sofrem. Os pequenos produtores, aqueles que instalam painéis nos telhados das suas casas, enfrentam obstáculos igualmente desanimadores. A promessa da venda de excedentes à rede nacional esbarra numa teia de requisitos técnicos e taxas que tornam o investimento pouco atrativo para o cidadão comum.
A ironia é que temos tecnologia de ponta desenvolvida por empresas portuguesas que são exportadas para todo o mundo. A EDP Renováveis é hoje um dos maiores players globais no sector, mas paradoxalmente, o seu crescimento em Portugal tem sido limitado. Enquanto investe milhões no Texas ou na Polónia, vê-se constrangida por barreiras internas que travam o seu desenvolvimento no próprio país de origem.
O sector agrícola apresenta outro paradoxo interessante. Milhares de hectares de terrenos abandonados poderiam ser convertidos em centrais solares, gerando rendimento para os proprietários e energia limpa para o país. No entanto, a falta de incentivos fiscais e a complexidade dos processos de alteração de uso do solo mantêm estes terrenos improdutivos.
As comunidades energéticas surgem como uma solução promissora, mas ainda engatinham no nosso país. Enquanto na Alemanha existem mais de mil cooperativas energéticas, em Portugal contam-se pelos dedos das mãos. O modelo de partilha de energia entre vizinhos, que poderia revolucionar o consumo doméstico, esbarra em barreiras legais e tecnológicas que urgentemente precisam de ser ultrapassadas.
O armazenamento de energia é outro capítulo crítico desta história. O sol não brilha 24 horas por dia, e a intermitência da produção solar exige soluções de armazenamento eficientes. Portugal tem condições excecionais para o desenvolvimento de centrais de bombagem, aproveitando o relevo acidentado, mas os investimentos nesta área têm sido tímidos.
A recente crise dos preços da energia deveria ter funcionado como um alerta. Enquanto os preços do gás natural disparavam, a produção solar manteve-se estável e previsível. No entanto, esta lição parece não ter sido totalmente assimilada pelos decisores políticos, que continuam a adiar investimentos estratégicos na área.
O turismo, setor vital da nossa economia, poderia ser um grande impulsionador da energia solar. Hotéis e resorts consomem quantidades enormes de energia, especialmente para climatização e aquecimento de águas. A conversão destes consumidores em produtores não só reduziria os seus custos operacionais como criaria excedentes para a rede nacional.
O futuro passa inevitavelmente pela integração inteligente de diferentes fontes renováveis. O sol durante o dia, o vento à noite, as marés de forma constante - esta complementaridade é a chave para uma rede estável e sustentável. Portugal tem todas as cartas na mão para se tornar uma potência energética limpa, falta apenas a vontade política e a agilidade administrativa para concretizar este potencial.
Os próximos anos serão decisivos. Com os fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, temos uma oportunidade única de acelerar esta transição. O risco é que, mais uma vez, deixemos passar o comboio da inovação energética, condenando-nos a continuar dependentes de combustíveis fósseis importados.
A solução passa por uma abordagem integrada: simplificar os licenciamentos, criar incentivos fiscais atraentes, investir em redes inteligentes e, acima de tudo, envolver os cidadãos neste processo. A energia solar não é apenas uma questão técnica ou económica - é uma oportunidade de reapropriarmos o nosso destino energético.
Enquanto o sol continua a brilhar sobre Portugal, a questão que fica no ar é: quando é que vamos finalmente aprender a colher esta riqueza que nos é oferecida todos os dias? O tempo de agir é agora, antes que outra década de potencial desperdiçado se perca no horizonte.
O paradoxo energético português: sol a mais, aproveitamento a menos
