Enquanto o sol brilha implacável sobre o território português, uma sombra de dependência energética ainda paira sobre o país. Portugal, com mais de 300 dias de sol por ano, continua a importar cerca de 70% da energia que consome, um paradoxo que desafia a lógica e a sustentabilidade.
Nos últimos cinco anos, a capacidade solar instalada no país quadruplicou, mas ainda assim representa apenas 15% do mix energético nacional. Os dados mais recentes da Direção-Geral de Energia e Geologia revelam que, apesar do crescimento exponencial, estamos longe de explorar todo o potencial que o nosso clima privilegiado nos oferece.
O Alentejo emerge como a nova fronteira da energia solar, com megaprojetos que transformam antigas terras de sequeiro em centrais de produção limpa. Em Ferreira do Alentejo, a maior central fotovoltaica da Europa Ocidental ocupa uma área equivalente a 700 campos de futebol, produzindo energia suficiente para abastecer 430 mil habitações.
Mas a revolução solar não se limita aos grandes projetos. Nas cidades, os telhados transformam-se em microcentrais energéticas. Lisboa lidera a corrida urbana com o programa 'Solar Lisboa', que já instalou painéis em mais de 200 edifícios municipais. O mercado residencial cresce a um ritmo de 40% ao ano, impulsionado pelos fundos de recuperação e resiliência.
O armazenamento de energia surge como o próximo grande desafio. As baterias de lítio estão a dar lugar a tecnologias mais inovadoras, como o hidrogénio verde produzido através da energia solar excedentária. Em Sines, um consórcio internacional investe 500 milhões de euros numa unidade que promete revolucionar o setor.
Os obstáculos persistem: a burocracia continua a ser o maior inimigo do desenvolvimento solar. Um produtor independente espera em média 18 meses para obter todas as licenças necessárias. A rede elétrica precisa de investimentos urgentes para acomodar a produção intermitente das renováveis.
O preço da energia solar caiu 85% na última década, tornando-a a fonte mais barata em Portugal. Esta competitividade atrai investidores internacionais, mas também levanta questões sobre a soberania energética nacional. Quem controla realmente o nosso sol?
As comunidades energéticas emergem como resposta local à globalização da energia. No interior algarvio, a primeira cooperativa solar comunitária já abastece 300 famílias, demonstrando que a transição energética pode ser feita de baixo para cima.
O futuro passa pela integração inteligente: painéis solares que servem simultaneamente para produzir energia e sombrear estradas, estufas solares que combinam agricultura e produção energética, e até vias públicas que funcionam como superfícies captadoras de energia.
Portugal está numa encruzilhada energética histórica. O sol está lá, gratuito e abundante. Resta saber se teremos a visão e a coragem para o aproveitar plenamente, ou se continuaremos reféns de importações energéticas enquanto o nosso maior recurso natural se desperdiça.
O paradoxo energético português: sol em abundância mas dependência que persiste
