O paradoxo solar português: como o país do sol ainda não brilha na energia fotovoltaica

O paradoxo solar português: como o país do sol ainda não brilha na energia fotovoltaica
Enquanto o sol incide implacável sobre o território português, uma sombra de ineficiência paira sobre o potencial energético nacional. Portugal, com mais de 300 dias de sol por ano em algumas regiões, continua a importar energia quando poderia ser exportador de eletricidade limpa. Esta contradição não é apenas meteorológica - é sobretudo política e burocrática.

Os números contam uma história de oportunidades perdidas. Segundo dados da Direção-Geral de Energia e Geologia, apenas 5% do potencial solar nacional está atualmente explorado. Enquanto países como a Alemanha, com metade da radiação solar, lideram a produção fotovoltaica na Europa, Portugal mantém-se numa posição modesta no ranking europeu. O que explica esta desconexão entre potencial e realidade?

A resposta pode ser encontrada nos corredores labirínticos da burocracia portuguesa. Um empresário do setor, que preferiu manter o anonimato, revela: "Esperei 18 meses por uma licença para instalar painéis num terreno no Alentejo. Enquanto isso, em Espanha, o mesmo processo demora três meses." Esta lentidão administrativa tem custado ao país investimentos que acabam por cruzar a fronteira.

Mas o problema não se resume apenas à morosidade. O regime de licenciamento apresenta inconsistências que desencorajam investidores. Diferentes câmaras municipais aplicam critérios distintos, criando um cenário de insegurança jurídica que afasta tanto pequenos como grandes players do mercado.

A questão dos leilões solares merece igualmente análise crítica. Os últimos concursos públicos para parques fotovoltaicos revelaram preços artificialmente baixos, levantando questões sobre a sustentabilidade destes projetos a longo prazo. Especialistas alertam que esta corrida para o preço mais baixo pode comprometer a qualidade e durabilidade das instalações.

No setor residencial, outro drama se desenrola. Os portugueses que tentam tornar-se produtores de energia enfrentam obstáculos que vão desde a complexidade dos processos até à falta de informação clara sobre retorno do investimento. "Comprei painéis há dois anos e ainda não consegui ligar à rede," conta Maria Santos, reformada de Setúbal. "É como ter um carro sem poder andar nas estradas."

A revolução do hidrogénio verde, frequentemente anunciada como a solução milagrosa, apresenta seus próprios desafios. Os projetos de hidrogénio dependem fundamentalmente de eletricidade barata proveniente de fontes renováveis, criando um círculo vicioso: sem solar em escala, não há hidrogénio competitivo.

As zonas industriais abandonadas e os terrenos marginais poderiam ser a chave para desbloquear este impasse. Em vez de ocupar terrenos agrícolas produtivos, o solar poderia revitalizar áreas degradadas, criando valor onde hoje existe abandono. No entanto, esta visão estratégica parece ausente do planeamento territorial.

O armazenamento de energia emerge como o grande desafio técnico. As baterias de grande escala ainda são caras e a tecnologia de armazenamento por bombagem hidroelétrica tem limitações geográficas. Enquanto não resolvermos esta equação, continuaremos a desperdiçar energia nos horários de pico de produção.

Os fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência representam uma oportunidade histórica, mas o ritmo de execução preocupa. Dos 615 milhões de euros destinados às renováveis, apenas uma fração foi efetivamente aplicada. O relógio não para e 2026, data limite para a utilização destes fundos, aproxima-se a passos largos.

A formação profissional constitui outro elo fraco da cadeia. A escassez de técnicos especializados em energia solar limita a capacidade de instalação e manutenção dos sistemas. Escolas profissionais e universidades ainda não responderam adequadamente a esta necessidade do mercado.

O consumidor final, afinal, paga a fatura desta ineficiência. As contas de eletricidade continuam entre as mais altas da Europa, enquanto o sol, recurso gratuito e abundante, permanece subaproveitado. Esta ironia não escapa aos portugueses, que veem suas poupanças evaporarem-se em importações de energia quando a solução está literalmente sobre suas cabeças.

O caminho a seguir exige coragem política e visão estratégica. Simplificar licenciamentos, criar zonas de desenvolvimento prioritário, investir em investigação e formar profissionais são passos urgentes. O sol português não pode continuar a ser um recurso desperdiçado enquanto pagamos caro por energia de outros.

O futuro energético de Portugal está escrito no céu - resta-nos ter a inteligência de o ler e a determinação de o concretizar. As próximas gerações não compreenderão como, tendo tanto sol, ficámos às escuras na revolução energética.

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