Há um sol que brilha sobre Portugal 300 dias por ano, mas que continua a ser um estranho na nossa paisagem energética. Enquanto os nossos vizinhos mediterrânicos aproveitam cada raio como se fosse ouro, nós continuamos presos a velhos hábitos e burocracias que nos impedem de abraçar a revolução solar que já devia ter acontecido.
Os números não mentem: Portugal tem uma das maiores taxas de irradiação solar da Europa, superior à de países como a Alemanha, que no entanto nos ultrapassa largamente em capacidade instalada. A ironia é tão grande que dói - temos o sol, temos a tecnologia, mas falta-nos a coragem para romper com modelos energéticos obsoletos.
Nas zonas rurais do Alentejo, os campos vão ficando vazios enquanto os telhados continuam nus. Cada telhado sem painéis é uma oportunidade perdida, um cheque que não levantamos. Os agricultores queixam-se dos custos da energia enquanto o sol, gratuito e abundante, bate-lhes à porta todos os dias.
A burocracia continua a ser o maior inimigo do sol português. Os processos para instalar painéis solares demoram meses, envolvem dezenas de documentos e exigem paciência de santo. Enquanto isso, em Espanha, os mesmos processos são resolvidos em semanas. A diferença não está no sol, está na vontade política.
As comunidades energéticas são outra promessa por cumprir. A lei existe desde 2019, mas a implementação tem sido lenta e complicada. Vizinhos que poderiam partilhar energia limpa e barata continuam presos a contratos individuais com as grandes empresas, pagando mais por menos.
O armazenamento de energia é o elo perdido na nossa cadeia solar. Produzimos energia durante o dia, mas à noite continuamos dependentes de outras fontes. As baterias ainda são caras e as soluções de grande escala, como o hidrogénio verde, avançam a passo de caracol.
Os grandes projetos solares enfrentam resistências paradoxais. De um lado, os ambientalistas que temem o impacto na paisagem; do outro, os defensores do desenvolvimento que querem avançar rapidamente. No meio, fica o sol, à espera que nos decidamos.
A indústria nacional poderia estar a aproveitar esta oportunidade, mas a maioria dos equipamentos continua a ser importada. Perdemos empregos, perdemos know-how e perdemos a chance de criar uma economia circular em torno da energia solar.
Os edifícios públicos são um escândalo à vista de todos. Escolas, hospitais e repartições com telhados vastos e vazios, enquanto pagam contas de energia astronómicas. O Estado, que deveria dar o exemplo, continua a ser um dos maiores desperdiçadores de potencial solar.
A formação profissional também falha. Não há técnicos suficientes para instalar e manter os sistemas solares, e os cursos existem mas são insuficientes. Uma oportunidade de criar empregos qualificados fica por aproveitar.
Os fundos europeus chegaram como uma promessa de mudança, mas o acesso continua difícil para os pequenos investidores. As candidaturas são complexas, os prazos curtos e os requisitos tantos que muitos desistem pelo caminho.
A verdade é que estamos perante uma encruzilhada histórica. Podemos continuar a importar energia cara e poluente, ou podemos abraçar o sol que nos foi dado. A escolha parece óbvia, mas as sombras do passado ainda são longas.
Há exemplos que mostram que é possível fazer diferente. Alguns municípios já entenderam a mensagem e estão a transformar-se em comunidades energéticas. Empresas visionárias estão a investir em projetos inovadores. Cidadãos comuns estão a tomar a energia nas suas próprias mãos.
O futuro não está escrito, mas o sol continua a nascer todos os dias. Cabe a nós decidir se queremos continuar nas sombras ou se vamos finalmente aproveitar a luz que temos em abundância. A revolução solar portuguesa está atrasada, mas ainda pode acontecer - desde que tenhamos a coragem de a fazer.
O sol que não queremos ver: como Portugal desperdiça o seu potencial solar