Há uma revolução a acontecer debaixo dos nossos pés, literalmente. Enquanto caminhamos pelas ruas das nossas cidades, ignoramos os cabos que transportam a nossa vida digital. A fibra ótica, esse fio de vidro mais fino que um cabelo humano, tornou-se o campo de batalha onde se decide quem controla o futuro das comunicações em Portugal.
Nos últimos meses, assistimos a uma corrida frenética entre a Altice, a Vodafone e a NOS para cobrir o país com redes de última geração. Mas esta não é apenas uma guerra de velocidade. É uma luta pelo domínio da nossa atenção, dos nossos dados e, em última análise, do nosso tempo. As operadoras já não vendem apenas internet - vendem ecossistemas completos que vão desde a televisão até à segurança doméstica.
O que poucos percebem é como esta infraestrutura invisível está a moldar as nossas cidades. Municípios que antes competiam por investimentos industriais agora disputam quem tem a melhor cobertura de fibra. Bairros inteiros veem o seu valor imobiliário flutuar conforme a qualidade da sua conectividade. E há histórias curiosas: em algumas aldeias do interior, a chegada da fibra fez mais pela fixação de jovens do que qualquer programa governamental.
Mas há um lado sombrio nesta corrida tecnológica. Investigadores do Instituto de Telecomunicações alertam para a criação de 'desertos digitais' - zonas onde não é economicamente viável levar a fibra, condenando os seus habitantes a uma espécie de exílio digital. Enquanto Lisboa e Porto atingem velocidades que rivalizam com Seul ou Tóquio, há concelhos onde o ADSL ainda é a única opção.
A verdadeira batalha, porém, está a acontecer nos laboratórios. A próxima geração de fibra, conhecida como FTTR (Fiber to the Room), promete levar a ligação de alta velocidade a cada divisão da casa. Imagine ter a mesma velocidade no seu quarto, na sala ou na garagem. Parece futurista, mas já está a ser testada em Portugal por uma das operadoras, num projeto discreto que pode mudar tudo o que sabemos sobre conectividade doméstica.
E depois há o 5G, que muitos pensam ser concorrente da fibra, mas que na realidade é o seu complemento perfeito. As redes móveis de quinta geração dependem de uma espinha dorsal de fibra para funcionar. É por isso que as operadoras estão a investir simultaneamente em ambas as tecnologias, criando uma teia digital que nos envolve em casa e na rua.
O consumidor português está mais exigente do que nunca. Já não basta ter internet - quer-se estabilidade, simetria (a mesma velocidade de upload e download) e, sobretudo, transparência. Os escândalos de throttling (redução intencional de velocidade) do passado deixaram cicatrizes. Agora, as operadoras sabem que a confiança é tão importante quanto a tecnologia.
Curiosamente, esta guerra tecnológica está a ter efeitos colaterais positivos. A necessidade de técnicos especializados em fibra criou uma nova classe profissional bem remunerada. Cursos de formação que antes estavam vazios agora têm listas de espera. E há histórias inspiradoras de pessoas que encontraram na instalação de fibra uma segunda oportunidade profissional.
O que nos espera no futuro próximo? Especialistas com quem conversámos apontam para três tendências: a fibra tornar-se-á um serviço público essencial, tal como a água ou a eletricidade; as operadoras transformar-se-ão em plataformas de serviços digitais; e a distinção entre internet fixa e móvel desaparecerá completamente.
Enquanto isso, nas trincheiras desta guerra silenciosa, os técnicos continuam a enterrar cabos, as operadoras anunciam novas coberturas e nós, utilizadores, vamos assimilando estas mudanças quase sem dar por isso. Até que um dia olhamos para trás e percebemos que o mundo mudou - e que essa mudança chegou através de um fio de vidro mais fino que um fio de cabelo.
A guerra silenciosa das telecomunicações: como os gigantes da fibra estão a redefinir o nosso quotidiano
