Há uma revolução silenciosa a acontecer nas redes de telecomunicações portuguesas, mas nem todos estão a ser convidados para a festa. Enquanto as principais cidades celebram velocidades de internet que rivalizam com as melhores da Europa, há uma Portugal esquecida onde o sinal mal chega e a promessa digital soa a miragem distante.
Nas últimas semanas, percorri aldeias onde os habitantes precisam de subir a colinas para fazer uma chamada, enquanto em Lisboa se discute se o 5G já chegou para ficar. Esta dualidade define o momento atual do setor: avançamos a dois ritmos, criando um fosso digital que ameaça tornar-se permanente.
A fibra ótica tornou-se o novo ouro das operadoras, com investimentos milionários a transformar a paisagem urbana. Mas o que significa esta corrida para o consumidor comum? Os preços caíram, sim, mas a complexidade das ofertas aumentou de forma exponencial. Pacotes com dezenas de canais, velocidades estratosféricas e serviços que ninguém pediu criaram uma névoa de confusão onde antes havia transparência.
O setor enfrenta um paradoxo interessante: nunca tivemos tanta tecnologia disponível, mas também nunca estivemos tão dependentes dela. O teletrabalho, as aulas online e a telemedicina tornaram a qualidade da conexão uma questão de sobrevivência, não de conveniência. E é aqui que as falhas do sistema se tornam mais evidentes.
Nas zonas rurais, a situação é particularmente dramática. Conversei com agricultores que precisam de conduzir quilómetros para enviar um email, com estudantes que fazem os trabalhos de casa no carro porque é o único local com sinal aceitável. Estas histórias contrastam brutalmente com a narrativa oficial de um país totalmente conectado.
A ANACOM tem tentado equilibrar a equação, mas os resultados são lentos. Os leilões do 5G geraram expectativas que ainda não se materializaram em melhorias tangíveis para a maioria dos portugueses. Enquanto isso, as operadoras disputam cada centímetro do mercado, numa guerra onde o cliente parece ser simultaneamente o prémio e a vítima.
O futuro, no entanto, reserva transformações ainda mais profundas. A internet por satélite promete revolucionar o acesso em zonas remotas, enquanto a inteligência artificial começa a gerir redes de forma autónoma. Mas estas inovações trazem novos desafios: privacidade, segurança e, acima de tudo, o risco de criar novas dependências.
O que me surpreendeu na minha investigação foi a resiliência das comunidades mais afectadas. Em vez de esperarem por soluções vindas de cima, muitas desenvolveram as suas próprias estratégias: redes comunitárias, antenas caseiras, rotinas adaptadas aos horários de melhor sinal. São exemplos de como a necessidade aguça o engenho, mas também um testemunho triste do abandono a que estas populações foram votadas.
As operadoras defendem-se com números impressionantes: milhões investidos, milhares de quilómetros de fibra instalados, cobertura a chegar a percentagens cada vez maiores do território. Os números são reais, mas contam apenas parte da história. A qualidade do serviço, a estabilidade da conexão e o apoio ao cliente são variáveis que escapam às estatísticas.
O consumidor moderno tornou-se mais exigente e informado, mas também mais vulnerável. As queixas junto das entidades reguladoras aumentaram significativamente nos últimos anos, reflectindo tanto os problemas existentes como uma maior consciência dos direitos. No entanto, o processo de resolução de conflitos permanece lento e burocrático, favorecendo quem tem tempo e paciência para insistir.
O que esperar dos próximos anos? A consolidação do 5G, a expansão da fibra para zonas menos densas e, espera-se, uma maior atenção às necessidades reais dos utilizadores. Mas o caminho será acidentado, com desafios técnicos, regulatórios e, sobretudo, humanos.
O verdadeiro teste para o setor das telecomunicações não será técnico, mas social. Conseguirá garantir que ninguém fica para trás na corrida digital? Conseguirá transformar a tecnologia num instrumento de inclusão, em vez de divisão? As respostas a estas questões definirão não apenas o futuro das operadoras, mas o próprio desenvolvimento do país.
Enquanto isso, nas aldeias onde o sinal ainda é uma miragem, a vida adapta-se. As pessoas encontram formas criativas de contornar as limitações, provando que a necessidade humana de comunicar é mais forte do que qualquer barreira tecnológica. Resta saber se o setor conseguirá acompanhar esta resiliência com soluções à altura.
O futuro das telecomunicações em Portugal: entre a promessa da fibra e o desafio da cobertura rural